Ponderações sobre o agrupamento dos itens em lote único
- Pedro Filipe Araújo de Albuquerque

- 11 de jan. de 2024
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Inicialmente, é oportuno anotar que, em regra, quando os objetos da contratação forem de naturezas diversas, complexos ou divisíveis, o seu parcelamento é recomendável, a fim de se ampliar a competitividade, salvo se existir impedimento de ordem técnica ou econômica devidamente justificado. A Lei n.º 8.666/93 determina que:
Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão: (…) IV - ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando economicidade; (…)
Art. 23. (…) § 1º. As obras, serviços e compras efetuadas pela administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade, sem perda da economia de escala.
§ 2º. Na execução de obras e serviços e nas compras de bens, parceladas nos termos do parágrafo anterior, a cada etapa ou conjunto de etapas da obra, serviço ou compra, há de corresponder licitação distinta, preservada a modalidade pertinente para a execução do objeto em licitação.
Diante disso, o agrupamento de itens em lotes deve ser tratado como alternativa excepcional, conforme cristalizado na jurisprudência do Tribunal de Contas da União, nos termos da Súmula 247:
Súmula 247/TCU: É obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, nos editais das licitações para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade.
A necessidade de parcelamento do objeto em itens é mais relevante nas licitações veiculadas por meio do sistema de registro de preços, pois é adotado em situações em que a Administração Pública, apesar de presumir a utilização de um bem ou serviço, não define, em um primeiro momento, quando e quantas unidades do bem em questão serão adquiridas. Nessa linha, é recomendável que seja registrado o custo unitário de cada um dos itens pretendidos, de forma a viabilizar, durante o período de vigência da ata de registro de preços, aquisições isoladas dos objetos ali registrados, conforme a real necessidade da Administração, sem ser obrigatória a contratação do lote em sua totalidade.
Por outro lado, a realização da licitação com a adjudicação do objeto de forma global (lote único) ou agrupado em grupos ou lotes é pertinente, desde que haja justificativa plausível e amparada por estudos e pesquisas realizados, na fase interna da licitação, que consignam que essa é a opção mais vantajosa, do ponto de vista técnico e econômico para o Poder Público.
Nesse sentido, é o entendimento do Tribunal de Contas da União:
(Trecho do voto) Já quanto à adjudicação por menor preço global em sistema de registro de preços, em lugar da adjudicação por itens, as justificativas apresentadas não podem ser aceitas. De acordo com a jurisprudência deste Tribunal, em licitações para registro de preços a regra geral deve ser a adjudicação por item, em benefício da ampliação da participação e da seleção da proposta mais vantajosa. A adjudicação por preço global deve ser devidamente justificada. E o TRE/GO se limitou a argumentar que a contratação em lote único facilitaria a gestão e a fiscalização do contrato, sem apresentar uma avaliação técnica acerca das opções de parcelamento da licitação, deixando de demonstrar a inviabilidade técnica e econômica da divisão. Sendo assim, a justificativa não pode ser aceita.
(Trecho do acórdão) 9.1 - conhecer da presente representação para, no mérito, considerá-la parcialmente procedente; 9.2 – confirmar a medida cautelar anteriormente concedida (peça 5) e assinar prazo de 15 (quinze) dias, a contar da ciência desta deliberação, para que o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás adote as medidas necessárias à anulação do Pregão Eletrônico399/2015, por não ter motivado a adjudicação por preço global em licitação por registro de preços e por não apresentar razões suficientes que demonstrem que o critério de julgamento de menor preço global de um único grupo conduzirá à contratação economicamente mais vantajosa, em afronta à jurisprudência desta Corte de Contas.
(TCU. Acórdão 2438/2016. Plenário).
A adjudicação por grupo ou lote não é, em princípio, irregular, devendo a Administração, nesses casos, justificar de forma fundamentada, no respectivo processo administrativo, a vantagem dessa opção. Em Representação relativa a pregão eletrônico para registro de preços conduzido pelo Departamento de Polícia Federal – Superintendência Regional na Bahia (SR/DPF/BA), objetivando a aquisição de equipamentos de uso e de proteção individual para servidores policiais, a unidade técnica questionou o critério de julgamento adotado no certame, qual seja o de menor preço global com a adjudicação por lote, em detrimento da adjudicação por item. Segundo a unidade técnica, a modelagem adotada contrariaria a jurisprudência do TCU, consolidada na Súmula 247, permitindo a adjudicação de determinados itens a empresa que não ofereceu a melhor oferta pelo item, com potencial dano ao erário. Assim, propôs a unidade instrutiva que não sejam adquiridos os itens para os quais a respectiva licitante vencedora não tenha apresentado o menor preço, vedando ainda as adesões à ata. Ao discordar dessa tese, o relator anotou que o potencial dano apresentado, se comparado com o montante envolvido na licitação, “não justifica, por si só, a proposta inicial da unidade instrutiva de se determinar ao órgão que se abstenha de adquirir esses itens e, ainda, autorizar adesões” Explicou que “a existência de itens com preços superiores aos concorrentes não é algo estranho em uma licitação por grupamento, com diversos itens em cada lote”, sendo razoável que “a empresa vencedora não detenha os menores preços em todos os itens ofertados, como ocorre no presente caso”. Ainda sobre a proposta da unidade instrutiva, ressaltou que a “empresa licitante, ao compor os preços dos lotes, pode ter trabalhado cada item com margens variáveis”, de forma que “a retirada de um ou outro item pode afetar o efetivo interesse da licitante vencedora em ser contratada”. Em relação à alegada afronta à Súmula 247 do TCU, destacou o condutor do processo entendimento expresso em julgado de sua relatoria, no sentido de que “a adjudicação por grupo ou lote não pode ser tida, em princípio, como irregular (...) a Súmula nº 247 do TCU estabelece que as compras devam ser realizadas por item e não por preço global, sempre que não haja prejuízo para o conjunto ou perda da economia de escala”. Nesse sentido, entendeu o relator que não houve a alegada afronta à jurisprudência do TCU, ressaltando que “a interpretação da Súmula/TCU 247 não pode se restringir à sua literalidade, quando ela se refere a itens. A partir de uma interpretação sistêmica, há de se entender itens, lotes e grupos”. Por fim, dissentindo da unidade técnica, propôs o relator emitir determinação ao órgão para que “se abstenha de autorizar adesões à Ata de Registro de Preços, individualmente, no que diz respeito aos itens 3, 8, 13, 14 e 15 do Pregão Eletrônico (...), a menos que o aderente manifeste-se no sentido de contratar a totalidade do lote”. Adicionalmente, propôs “dar ciência ao órgão que, no caso de se licitar itens agrupados, no processo licitatório respectivo deve constar justificativa da vantagem da escolha, devidamente fundamentada”. O Tribunal, ao acolher o voto do relator, julgou parcialmente procedente a Representação.”
(TCU. Informativo de Licitações e Contratos nº 216. Acórdão nº 5.134/2014 – 2ª Câmara.)
Ademais, é importante rememorar que, caso a opção da Administração seja pelo menor valor global do lote, é indispensável que se instrua o processo com adequada pesquisa de preços, considerando quantitativos estimados para cada um dos itens que compõem os lotes, de modo que seja possível serem extraídos critérios de aceitabilidade de preços unitários e globais, considerando o entendimento do TCU e o que estabelece a Lei n.º 8.666/1993:
Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: (...) X - o critério de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedados a fixação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência, ressalvado o disposto nos parágrafos 1º e 2º do art. 48.
Destaco que o entendimento pacífico nesta Corte de Contas é o de que, ainda que haja compatibilidade do preço global, há que se ter a adequabilidade dos custos unitários de modo a coibir o famígero “jogo de planilhas”. Assim, em licitações para obras e serviços, especialmente, sob o regime de empreitada por preço global, os responsáveis pela licitação, ao selecionar a proposta mais vantajosa para Administração, deverão efetuar análise individual dos preços unitários. Verificada a ocorrência de itens com preços manifestamente superiores aos praticados no mercado, o agente público deve negociar com o licitante vencedor do certame novas bases condizentes com os custos de mercado, envolvidos na formulação dos preços, e com os valores do projeto básico e da planilha de formação de preços. 7. Dessa forma, não releva demonstrar a existência no mercado de proposta mais vantajosa que aquela apresentada no âmbito do pregão sub examine. A verificação da inadequação dos custos unitários é suficiente para macular a proposta do licitante aceita pela pregoeira, ora embargante.
(TCU. Acórdão 3524/2007. Segunda Câmara).
De acordo com Marçal Justen Filho:
Não interessa à Administração simplesmente contratar com o licitante que tiver formulado a proposta de menor valor global. É imperioso verificar se o licitante formulou uma proposta adequada, fundada em dados técnicos satisfatórios e compatível com os preços de mercado. (...) O grande obstáculo para propostas desarrazoadas é a demonstração de sua coerência interna. O licitante deverá indicar a composição de custos e demonstrar que o preço global é o resultante de um conjunto de informações coerentes entre si. Portanto, é imperioso que o edital preveja os critérios de aceitabilidade dos preços unitários.
(JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012. p. 623).
Isso para que se evite a ocorrência de “jogo de planilha”, que ocorre quanto os licitantes oferecem preços irrisórios para itens que serão pouco utilizados e preços excessivos para itens que serão bastante demandados durante a execução contratual, de modo que o aumento de um seja compensado pela redução do outro, mantendo-se, assim, o preço global da proposta dentro dos parâmetros fixados pelo edital.
Ressalva-se que o fato de os custos unitários de alguns itens de determinado lote serem superiores ao valor estimado pela Administração não quer dizer que automaticamente esses sejam excessivos. Caso a diferença seja razoável e o preço compatível com o mercado e não for prejudicial à execução do contrato, mediante justificativa adequada, a contratação deve prosseguir normalmente. Assim, não é imposto ao licitante melhor classificado para determinado lote que apresente sua proposta com todos os valores unitários abaixo dos valores de referência.
Portanto, recomenda-se que a justificativa pela escolha da licitação por lotes seja sempre robusta, de modo que seja amparada por estudos técnicos e pesquisas realizadas, em que fique evidenciado, de modo clarividente, que essa é a opção mais vantajosa para Administração Pública.
Texto de nosso advogado Dr. Pedro Albuquerque OAB/PB 30.558





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