O objeto da licitação pública é diferente do objeto do contrato social da empresa licitante. E agora?
- Pedro Filipe Araújo de Albuquerque

- 11 de jan. de 2024
- 3 min de leitura
No cotidiano dos profissionais que trabalham com licitações públicas, certamente aparece a situação em que a empresa licitante disputa um objeto que não é previsto em seu contrato social. Por exemplo, em uma licitação cujo objeto é a atividade de transporte de pessoas, surge uma empresa que tem como objeto do contrato social a entrega e transporte terrestre de documentos e/ou materiais, pretendendo realizar o transporte de pessoas para o ente público. Diante disso, o que a Administração Pública deve fazer? A empresa deve ser desclassificada?
Deparando-se com essa questão, recentemente o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco exarou uma decisão bastante interessante nos autos do processo TCE-PE n.º 2053332-9 (Data de Publicação: 01/07/2020). Constou da ementa:
“MEDIDA CAUTELAR. LICITAÇÃO. INABILITAÇÃO. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O CONTRATO SOCIAL E O OBJETO DA LICITAÇÃO. COMPROVAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ANÁLOGOS AOS LICITADOS POR ATESTADOS DE QUALIFICAÇÃO TÉCNICA EMITIDOS POR ENTIDADES PÚBLICAS. 1. Na hipótese em que a empresa comprova, por meios de atestados de capacidade técnica emitidos por outras entidades públicas, a prestação de serviços análogos ao objeto licitado, e que foram realizados com bom desempenho, é ilegal inabilitá-la sob o argumento de incompatibilidade de seu contrato social com o licitado, visto que o interesse público requer o maior número possível de licitantes competindo, de forma a assegurar a seleção de melhor proposta para a Administração Pública, nos termos do art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal, e do art. 3º, caput, da Lei nº 8.666/93. 2. A falta de impugnação tempestiva de cláusula editalícia não implica na sua validade, nem impede que a própria Administração a corrija de eventuais irregularidades a qualquer momento, constituindo-se tal procedimento, inclusive, em dever legal.”
No inteiro teor do acórdão, a relatora anotou que:
(...) “Ao contrário, trata-se de interpretar corretamente a norma e os princípios que regem as licitações públicas, como bem exemplificado pela empresa representante ao citar decisões do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas da União em situações análogas. E tal é assim porque o interesse público requer o maior número possível de licitantes competindo, de forma a assegurar a seleção da melhor proposta para a Administração Pública, em consonância com o disposto no art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal e no art. 3º, caput, da Lei nº 8.666/93. Ademais, como destacado no considerando que se comenta, a empresa Representante comprovou ter realizado serviços semelhantes aos do objeto da licitação, por atestados fornecidos, inclusive, por entidades públicas. Por outro lado, caso se aceitasse correto o entendimento do Presidente da Comissão de Licitação, acatado pelo Procurador Jurídico e pelo Prefeito em exercício do Município de Goiana, estar-se-ia inabilitando inúmeras empresas de engenharia de exercerem suas atividades, em virtude de os seus contratos sociais não abarcarem a 'venda' dos produtos que utilizam nos serviços que executam.”
Nesse contexto, o Tribunal de Contas da União já se manifestou no mesmo sentido, como pode ser visto abaixo:
“11. No que tange à questão de o objeto social ser incompatível com a atividade de transporte de pessoas, verifico uma preocupação exacerbada por parte dos gestores ao adotar a decisão de inabilitar a empresa. A administração procurou contratar uma prestadora de serviços devidamente habilitada para o exercício dos serviços terceirizados e, ao constatar que o objeto social da empresa Egel, na época da licitação, era ‘locação de veículos; locação de equipamentos; coleta, entrega e transporte terrestre de documentos e/ou materiais’, vislumbrou que não estava incluída a possibilidade do transporte de pessoas. 12. De fato, não está expressamente consignado no contrato social o serviço de transporte de pessoas almejado pela CNEN. Porém, constam dos autos três atestados de capacidade técnica apresentados pela Egel que comprovam a prestação dos serviços desejados para três distintas pessoas jurídicas de direito público. (fls. 90, 99 e 100) 13. Se uma empresa apresenta experiência adequada e suficiente para o desempenho de certa atividade, não seria razoável exigir que ela tenha detalhado o seu objeto social a ponto de prever expressamente todas as subatividades complementares à atividade principal.” (Acórdão 571/2006 – TCU- Segunda Câmara)
Concorda-se com os entendimentos demonstrados acima. Isso porque, de fato, o interesse público é que haja efetiva competitividade, com a participação do maior número possível de licitantes, para que seja selecionada a melhor proposta para a Administração Pública.
Texto de nosso advogado Dr. Pedro Albuquerque





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