O Judiciário pode anular a correção de provas feita por banca examinadora de concurso público? Conheça o caso do concurso para Juiz do TJ/RS
- Pedro Filipe Araújo de Albuquerque

- 30 de jun. de 2024
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No mundo dos concursos públicos, é comum haver discordância em relação à correção de provas realizada por banca examinadora. Consequentemente, o Judiciário sempre está se deparando com ações judiciais propostas por concurseiros que buscam revisar o entendimento das bancas.
Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE n. 632.853/CE (Tema n. 485), sob o regime da repercussão geral, fixou tese no sentido de que “não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade e inconstitucionalidade.” (RE n. 632.853/CE, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 23/4/2015, DJe 29/6/2015).
Recentemente, houve um caso muito interessante, que chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) via recurso ordinário (STJ, RMS 73.285-RS, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 11/6/2024), em que uma concurseira, por meio de mandado de segurança, se opôs à correção da sua prova realizada no Concurso para ingresso na carreira da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul, regido pelo Edital n. 61/2019 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). A concurseira havia sido reprovada na prova prática de sentença cível, com nota final de 5,61, inferior à nota de corte, que era 6,00. Ao julgar seu mandado de segurança, o TJRS denegou a segurança.
A concurseira, então, apresentou recurso ordinário ao STJ, alegando que houve ilegalidade na avaliação do item II.1 do espelho de correção da prova prática de sentença cível, tendo em vista que a banca examinadora do concurso não teria dado o devido valor ao tópico “existência de distinção das origens das dívidas (tributária e não tributária)”, embora a concurseira tenha abordado o tema de modo adequado na sua resposta. Ela também argumentou que existiu ilegalidade na avaliação do item III.3 do espelho de correção, já que a banca tampouco teria dado o valor adequado ao item “suspensa a exigibilidade dos ônus sucumbenciais face à gratuidade de justiça que ostenta o embargante”, embora a concurseira tenha examinado de forma fundamentada o pedido de concessão da gratuidade de justiça na sua resposta.
A candidata destacou, ainda, que houve ilegalidade na avaliação do item III.2 do espelho de correção, porque a banca examinadora não teria aplicado a jurisprudência consolidada do STJ ao examinar o item “ônus da sucumbência”, o que seria uma violação do conteúdo programático previsto no edital do concurso, que exigia a jurisprudência dos tribunais superiores.
Deparando-se com o recurso da concurseira, o STJ inicialmente anotou que “compete à Administração Pública a escolha dos métodos e dos critérios para aferir a aptidão e o mérito dos candidatos nos concursos públicos destinados ao provimento de cargos públicos efetivos” e que “Por se tratar de atribuição própria da autoridade administrativa, deve-se ter especial deferência às bancas examinadoras constituídas para a dirigir esses certames”.
Por outro lado, o STJ ressaltou que:
4. Entre as hipóteses de ilegalidade que autorizam a revisão judicial da atuação de banca examinadora de concurso público, destaca-se a inobservância das regras contidas no edital, as quais vinculam tanto os concorrente no certame quanto a própria Administração Pública. Por essa razão, a jurisprudência desta Corte Superior é uníssona ao admitir a intervenção judicial para garantir a observância de normas do edital.
(...)
6. No caso em apreço, que apresenta peculiaridades que o afastam de recursos já julgados pelo STJ, a resposta apresentada pela Recorrente na prova prática de sentença cível está em harmonia com jurisprudência consolidada em precedente obrigatório do Superior Tribunal de Justiça (Tema n. 872). Desse modo, a recusa da banca em atribuir-lhe a pontuação relativa ao item em discussão nega a competência constitucional desta Corte Superior para uniformizar a interpretação da da lei federal, ofende as normas legais que estruturam o sistema de precedentes no direito brasileiro e viola a norma editalícia que prevê expressamente a jurisprudência dos Tribunais Superiores no conteúdo programático de avaliação.
(STJ, RMS 73.285-RS, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 11/6/2024)
Como visto, o STJ entendeu que a negativa da banca examinadora do concurso público em atribuir pontuação à resposta formulada de acordo com precedente obrigatório do STJ é uma flagrante ilegalidade, pois a conduta da banca negou a competência constitucional do STJ para uniformizar a interpretação da lei federal, ofendeu as normas que estruturam o sistema de precedentes brasileiro e violou o edital do concurso público que previu expressamente a jurisprudência dos Tribunais Superiores no conteúdo programático.
Chama a atenção, em especial, que o STJ deixou claro que a inobservância das regras contidas no edital do concurso público está entre as hipóteses de ilegalidade que autorizam a revisão judicial da atuação de banca examinadora. O julgamento anotou de forma expressa que “a jurisprudência do STJ é uníssona ao admitir a intervenção judicial para garantir a observância de normas do edital”.
Espero ter ajudado a esclarecer o tema.
Saudações.
Pedro Filipe Araújo de Albuquerque
Advogado do Escritório Albuquerque & Bandeira Advocacia, Procurador do Município de João Pessoa, professor e editor da @juriscoffee
Instagram @ratiodepedro




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