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Direito do Consumidor: leilão de joias por banco sem notificação prévia em contrato de penhor

  • Foto do escritor: Letícia Albuquerque
    Letícia Albuquerque
  • 25 de mar. de 2024
  • 9 min de leitura

Resumo


Este artigo aborda os aspectos jurídicos relacionados aos direitos do consumidor quando uma instituição financeira leiloa bens empenhados sem notificação prévia. Com base na legislação consumerista (Lei nº 8.078/90) e na jurisprudência consolidada, argumenta-se que tal conduta configura violação aos direitos fundamentais do consumidor, incluindo o direito à informação, à ampla defesa e ao devido processo legal. Além disso, discute-se a possibilidade de lesão decorrente de cláusulas abusivas em contratos de adesão e a necessidade de reparação dos danos materiais e morais causados ao consumidor.

 

Introdução

 

Dentro do contexto das relações de consumo, é frequente a formalização de contratos entre consumidores e instituições financeiras, nos quais o consumidor oferece bens como garantia, tais como joias, em troca de empréstimos concedidos pela instituição. Todavia, quando essas instituições procedem à venda extrajudicial desses bens sem notificar previamente o consumidor, surgem questões jurídicas relevantes relacionadas à proteção dos direitos do consumidor.


Nesse cenário, o contrato de penhor assume um papel central, pois estabelece os termos e condições sob os quais o consumidor concede o bem como garantia para a obtenção de um empréstimo. Esses contratos devem respeitar os princípios fundamentais do direito do consumidor, garantindo transparência, equilíbrio nas relações contratuais e, principalmente, a proteção dos direitos do consumidor.


A venda extrajudicial dos bens empenhados, sem a devida notificação prévia ao consumidor, suscita questões complexas no âmbito jurídico. Isso porque, ao realizar tal procedimento, as instituições financeiras podem violar direitos do consumidor, como o direito à informação adequada, o direito à segurança jurídica e o direito à ampla defesa.


Diante disso, torna-se imperativo analisar com cuidado os termos e as cláusulas presentes nos contratos de penhor, bem como os procedimentos adotados pelas instituições financeiras no caso de inadimplência por parte do consumidor. Essa análise é fundamental para assegurar a efetiva proteção dos direitos do consumidor e a observância dos princípios que regem as relações de consumo.


Aplicação do Código de Defesa do Consumidor e Inversão do Ônus da Prova

 

A aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), conforme estabelecido pelo Superior Tribunal de Justiça na Súmula 297[1], é crucial para proteger os direitos do consumidor nas relações estabelecidas com as instituições financeiras. Considerando a relação estabelecida entre consumidores e instituições financeiras, configura-se uma relação de consumo, na qual o consumidor contrata os serviços da instituição financeira, que atua como fornecedora.


Nesse sentido, o princípio da vulnerabilidade do consumidor, previsto no CDC, assume importância fundamental. Esse princípio visa equilibrar as relações contratuais, especialmente quando há uma disparidade de poder entre as partes. No caso em questão, por exemplo, o consumidor confia na instituição financeira para a realização de um mútuo com penhor de joias.


Além disso, o CDC prevê a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor da parte hipossuficiente, ou seja, o consumidor. Isso significa que cabe à instituição financeira comprovar a regularidade da realização do leilão das joias, assim como a observância de todos os procedimentos legais e contratuais.


Portanto, diante das disposições do CDC e da jurisprudência consolidada, é imperativo garantir a aplicação do referido código e a inversão do ônus da prova em favor do consumidor. Essas medidas são essenciais para assegurar a efetiva proteção de seus direitos nas relações de consumo, conforme preconizado na legislação consumerista.

 

Lesão do Contrato de Adesão e Cláusulas Abusivas

 

Nos últimos anos, os contratos de adesão têm se tornado cada vez mais comuns nas relações entre consumidores e instituições financeiras. Nessas transações, as cláusulas contratuais são estabelecidas unilateralmente pela parte fornecedora, deixando ao consumidor apenas a opção de aceitar ou recusar o contrato, sem qualquer possibilidade de negociação ou modificação das cláusulas.


Essa dinâmica contratual, embora prática, muitas vezes acaba por gerar desequilíbrio nas relações contratuais, colocando os consumidores em posição de vulnerabilidade diante das instituições financeiras. As cláusulas abusivas, frequentemente inseridas nesses contratos de adesão, representam uma ameaça aos direitos fundamentais dos consumidores.


Uma das práticas abusivas recorrentes é a autorização para a venda extrajudicial dos bens em penhor sem a devida notificação prévia ao consumidor. Tal conduta viola diversos princípios basilares do direito do consumidor, como a boa-fé objetiva, o direito à informação e o devido processo legal. A parte consumidora, muitas vezes, é privada de seu direito de defesa e da oportunidade de buscar alternativas para a quitação do débito antes da realização do leilão.


Diante desse cenário, é fundamental que as cláusulas contratuais sejam analisadas à luz da legislação consumerista, a fim de verificar a presença de abusividades que comprometam o equilíbrio contratual e os direitos fundamentais dos consumidores. As cláusulas que contrariam os princípios da equidade, da boa-fé e do devido processo legal deve ser declarado nulas de pleno direito, assegurando-se assim a proteção dos consumidores.


Portanto, permitir a realização de um leilão sem prévia notificação, implica que o consumidor renuncie ao direito de tentar quitar o débito em atraso ou renovar o contrato mediante o pagamento de juros. Além disso, essa cláusula também infringe o direito à informação, conforme previsto no artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, é o entendimento jurisprudencial, conforme colacionado abaixo:


APELAÇÃO CÍVEL. CEF. CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE PENHOR. LEILÃO APÓS O VENCIMENTO. JOIAS PENHORADAS SEM NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. DISPENSA EXPRESSA NO CONTRATO. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL. SENTENÇA REFORMADA. I. O art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, aplicável ao caso dos autos, considera nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade (inciso IV). II. O § 1º do dispositivo aludido, em seu inciso II, presume exagerada a vantagem que restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato que ameacem seu objeto ou equilíbrio contratual. III. Embora não se desconheça a existência de julgados do C. STJ e desta E. Corte reconhecendo a inexistência de abusividade em cláusula contratual que permite a realização de leilão de joias empenhadas sem prévia notificação do proprietário, deve-se lembrar que ambas as Cortes reconhecem a hipossuficiência do aderente/consumidor no contrato de penhor, merecendo ele especial proteção, com o reconhecimento de cláusulas contratuais excessivamente abusivas. Precedentes. IV. Observando a teoria do diálogo das fontes, nos termos do art. 424, CC, Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. V. No contrato de mútuo mediante penhor de joias, estas são dadas em garantia ao empréstimo de dinheiro efetivado. Se, por um lado, a possibilidade de sua excussão decorre da natureza do negócio jurídico, por outro, o pagamento de juros e o adimplemento da dívida são objetivo principal do ajuste.Assim, ao se permitir que o bem seja leiloado sem que sequer seja dada ciência ao mutuário, seu proprietário, afasta-se do objetivo primário do contrato, que é o adimplemento do mútuo ou a renovação contratual mediante pagamento de juros, dificultando-se o adimplemento da dívida e a manutenção da propriedade dos bens, significando, portanto, renúncia ao direito resultante da natureza do negócio jurídico. VI. Permitir a consecução do leilão sem prévia notificação, a cláusula 18.1 do contrato firmado entre as partes, no que admite leilão sem prévia notificação, implica à parte autora renunciar ao direito tentar quitar o débito em atraso ou renovar o contrato mediante pagamento de juros, bem como ao direito à informação, previsto no art. 6º, III, CDC. VII. O leilão do objeto empenhado sem expressa e prévia notificação de seu proprietário viola o contraditório e a ampla defesa, direitos estes de cunho fundamental, previstos no art. 5º, LV da Constituição Federal, aplicáveis inclusive entre os particulares, conforme entendimento do C. STF, em virtude da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Precedente do E. STF. VIII. Se em relação a outras espécies contratuais (leilão de imóveis vinculados ao SFH e cláusula mandato) entende-se ser abusiva a cláusula contratual que permite a execução extrajudicial do débito por parte da instituição bancária credora, sem prévio aviso, em razão de violação ao devido processo legal, em razão da coerência e da integridade do sistema consumerista, tal deve também ser aplicado às relações de consumo que envolvam contrato de mútuo garantido mediante penhor, com a declaração de nulidade, por abusividade, de cláusula contratual que permita o leilão do bem empenhado sem qualquer espécie de prévia notificação, por violação ao dever de informar, ao contraditório e à ampla defesa. Precedentes. IX. Indenização por danos materiais fixada em R$ 2.020,48, relativos ao saldo obtido com o leilão das joias empenhadas, desde que a autora não tenha recebido tal valor junto à ré. X. Indenização por danos morais, considerando a natureza in reipsa do dano ocasionado pelo leilão à revelia, detalhamento sobre o vínculo emocional da autoral com as joias trazido em carta de mão própria, o tratamento dispensado pelos prepostos da instituição financeira, a idade da apelante ao tempo dos fatos (77 anos), a prova a respeito do estado emocional abalado da autora após o atendimento na agência bancária e informação da venda das joias, fixada em R$ 10.000,00 (dez mil reais). XI. Recurso de apelação da autora a que se dá parcial provimento.

(TRF-1 - AC: 00074820520134013807, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Data de Julgamento: 24/08/2020, 6ª Turma, Data de Publicação: PJe 25/08/2020 PAG PJe 25/08/2020 PAG)

 

Ademais, é importante ressaltar o papel dos órgãos de defesa do consumidor e do Poder Judiciário na proteção dos direitos dos consumidores. A análise e a invalidação de cláusulas abusivas contribuem para a promoção de relações contratuais mais justas e equilibradas, garantindo que os consumidores não sejam prejudicados por práticas comerciais desleais.


Portanto, é essencial que os consumidores estejam cientes de seus direitos e façam valer sua voz diante de cláusulas abusivas em contratos de adesão. Somente assim será possível construir um ambiente contratual mais justo e transparente, no qual os direitos dos consumidores sejam respeitados e protegidos em todas as etapas das transações comerciais.

 

Da Reparação Por Danos Morais

 

No contexto dos leilões de bens em penhor, a ausência de notificação prévia pode acarretar consequências emocionais significativas para o consumidor. A venda de bens de valor pessoal ou sentimental, como joias de família, sem que o consumidor tenha a oportunidade de se defender ou de buscar alternativas para evitar a perda, pode gerar angústia, ansiedade, constrangimento e até mesmo depressão.


É importante considerar que, além do aspecto financeiro, os bens empenhados muitas vezes possuem um valor emocional ou afetivo para o consumidor. A perda desses bens de forma abrupta e sem aviso prévio pode causar um impacto psicológico profundo, afetando a qualidade de vida e o bem-estar emocional do consumidor.


Nesse sentido, a jurisprudência tem reconhecido o direito à reparação por danos morais nos casos em que ocorre a venda extrajudicial de bens empenhados sem a devida notificação prévia ao consumidor, conforme jurisprudência colacionada abaixo:


CIVIL. CONSUMIDOR. CONTRATO DE PENHOR. ROUBO DE JOIAS. CLÁUSULA QUE LIMITA O VALOR DA INDENIZAÇÃO. ABUSIVIDADE. DANOS MATERIAIS. INDENIZAÇÃO JUSTA CORRESPONDENTE AO VALOR DE MERCADO. DANOS MORAIS. RECONHECIMENTO DO VALOR SENTIMENTAL DOS OBJETOS EMPENHADOS. 1. A prática da Caixa Econômica Federal de indenizar os clientes do serviço de penhor com um montante tabelado inferior ao valor real dos bens é flagrantemente ilegal. Precedentes desta Turma Recursal e da Turma Nacional de Uniformização. 2. Uma vez reconhecida a abusividade da cláusula contratual que limita a responsabilidade da instituição financeira pelos danos oriundos de roubo, furto ou extravio de bem empenhado (súmula 638 do Superior Tribunal de Justiça), a CEF deve ser condenada a indenizar a parte autora com o valor de mercado das joias objeto do contrato de penhor. 3. A Quarta Turma do STJ, por ocasião do julgamento do REsp nº 1.155.395 - PR, ao reformar acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assentou o entendimento de que a a realização de penhor de joias implica no reconhecimento de seu valor sentimental pelo respectivo proprietário, pois se assim não fosse, as teria vendido por valor certamente superior ao recebido pelo penhor. De outro lado, uma pessoa somente leva a penhor seus bens pessoais em situações de sérias dificuldades financeiras, ou seja, não se trata de uma opção desmotivada. 4. Nesse contexto, a reparação a título de danos morais não só envolve a análise do valor sentimental das joias empenhadas, como também o contexto de fragilidade enfrentado pelo contratante à época na qual celebrado o negócio. Indenização arbitrada em R$ 7.000,00 (sete mil reais). 5. Recurso a que se dá provimento. (TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50005476720204047028 PR 5000547-67.2020.4.04.7028, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 29/07/2021, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)

 

Ademais, ao fixar o valor da indenização por danos morais, o Judiciário leva em consideração diversos aspectos, como a gravidade da conduta da instituição financeira, o grau de sofrimento experimentado pelo consumidor, sua condição emocional e psicológica, bem como outros elementos que demonstrem a extensão do dano.


Portanto, nos casos em que o consumidor é prejudicado pela venda extrajudicial de bens penhorados sem notificação prévia, é possível pleitear a reparação por danos materiais e morais. Essa reparação visa não apenas compensar o sofrimento causado ao consumidor, mas também promover a responsabilização da instituição financeira e a proteção dos direitos fundamentais dos consumidores nas relações de consumo.

 

Conclusão

 

Diante das análises realizadas neste artigo, fica evidente a importância da proteção dos direitos do consumidor em casos de leilão de bens empenhados por instituições financeiras sem notificação prévia. A legislação consumerista, aliada à jurisprudência consolidada, oferece respaldo para a defesa dos consumidores em situações em que seus direitos fundamentais são violados.


A aplicação do Código de Defesa do Consumidor e a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor do consumidor são instrumentos essenciais para garantir a equidade nas relações contratuais, especialmente diante da vulnerabilidade do consumidor frente às instituições financeiras.


Além disso, a análise das cláusulas abusivas nos contratos de adesão e a invalidação delas, contribuem para a promoção de relações contratuais mais justas e transparentes. É fundamental que os consumidores estejam cientes de seus direitos e façam valer sua voz diante de práticas comerciais desleais.


No que diz respeito à reparação por danos morais, é imprescindível reconhecer o impacto emocional causado pela venda extrajudicial de bens penhorados sem notificação prévia. A jurisprudência tem reconhecido a necessidade de compensar o sofrimento experimentado pelo consumidor, considerando não apenas o aspecto financeiro, mas também o valor emocional dos bens perdidos.


Portanto, diante do exposto, reitera-se a importância de proteger os direitos do consumidor e responsabilizar as instituições financeiras por condutas que violem tais direitos. Somente assim será possível promover relações de consumo mais justas, equilibradas e respeitosas, contribuindo para o fortalecimento do sistema jurídico e a proteção efetiva dos consumidores.


Atenciosamente,


Letícia Nascimento Albuquerque

Albuquerque & Bandeira Advocacia


[1] Súmula 297 do STJ - O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.



 
 
 

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