4 FORMAS DE EXTINGUIR UMA EXECUÇÃO
- Letícia Albuquerque

- 17 de jul. de 2024
- 10 min de leitura
A execução é um processo essencial para a satisfação dos créditos, mas é igualmente crucial que existam mecanismos eficazes e justos para sua extinção, garantindo tanto os direitos dos credores quanto a proteção dos devedores. O ordenamento jurídico brasileiro prevê diversas formas de extinguir uma execução, cada uma com seus fundamentos legais e procedimentos específicos.
1. Pagamento da Dívida
A forma mais direta e objetiva de extinguir uma execução é o pagamento da dívida, conforme previsto no artigo 924, II do Código de Processo Civil (CPC)[1]. Este dispositivo legal estabelece que, uma vez que o devedor realiza o pagamento integral do débito, incluindo juros, multas, custos processuais e honorários advocatícios, o objetivo da execução é plenamente alcançado, e o processo deve ser encerrado.
Ademais, a quitação da dívida pode ocorrer de duas maneiras principais: de forma espontânea pelo devedor ou mediante constrição judicial dos bens do devedor.
O pagamento espontâneo ocorre quando o devedor, por sua própria iniciativa, quita integralmente a dívida. Isso inclui não apenas o valor principal devido, mas também os juros incidentes, eventuais multas, custos processuais e os honorários advocatícios. A principal vantagem do pagamento espontâneo é que ele demonstra a boa-fé do devedor, podendo evitar medidas coercitivas adicionais e possíveis restrições sobre seus bens. Além disso, o pagamento espontâneo pode evitar os custos e transtornos decorrentes de medidas judiciais de constrição de bens.
Por outro lado, quando o devedor não realiza o pagamento espontâneo, a execução pode prosseguir com medidas de constrição judicial, que incluem penhora, arresto, sequestro, entre outros. A constrição judicial dos bens do devedor visa a garantir a satisfação do crédito exequendo, forçando a alienação dos bens penhorados para que o montante devido seja quitado.
Além de que, a penhora recai sobre os bens do devedor para garantir a execução, e pode atingir bens móveis e imóveis, valores em contas bancárias, rendimentos futuros e outros ativos, conforme artigo 831 do CPC[2]. A partir da penhora, o bem pode ser levado a leilão ou adjudicado pelo credor para a satisfação do crédito.
Contudo, independentemente da forma de pagamento, é essencial a comprovação perante o juízo da quitação integral da dívida. Esta comprovação pode ser realizada por meio de recibo, termo de quitação assinado pelo credor ou outro documento equivalente que ateste o cumprimento da obrigação. O juiz, ao verificar a quitação completa, determinará a extinção da execução, nos termos do artigo 924, II do CPC[3].
2. Reconhecimento de Nulidade ou Inexigibilidade do Título
Outra forma de extinguir uma execução é pelo reconhecimento de uma nulidade do título executivo. Caso se verifique que o título que fundamenta a execução possui vícios ou nulidades, o devedor pode apresentar embargos à execução ou exceção de pré-executividade, argumentando a invalidade do título.
Outrossim, a validade do título executivo é um pressuposto indispensável para a regularidade da execução. De acordo com o artigo 783 do Código de Processo Civil, "A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível." Assim, qualquer vício que comprometa a certeza, liquidez ou exigibilidade do título pode levar ao seu reconhecimento como nulo.
Entre os exemplos mais comuns de nulidade de título executivo, pode-se citar:
· Vícios Formais: ausência de requisitos essenciais como a assinatura do devedor ou a falta de elementos que permitam a identificação clara da obrigação.
· Prescrição da Dívida: se o título executivo perdeu sua força executiva devido ao decurso do prazo prescricional, conforme previsto no artigo 206 do Código Civil.
· Falta de Liquidez: quando o valor da obrigação não está determinado ou não pode ser determinado sem a necessidade de uma nova apuração, contrariando o princípio da liquidez.
· Inexigibilidade da Obrigação: situações em que o título perde sua exigibilidade por descumprimento de requisitos legais ou contratuais, como a capitalização abusiva de juros, que descaracteriza a mora do devedor.
Sobre o tema, a jurisprudência pátria tem consolidado o entendimento de que a ausência de requisitos legais no título executivo pode levar à sua nulidade e, consequentemente, à extinção da execução. Observe-se:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - INOVAÇÃO RECURSAL - PARCIAL CONHECIMENTO DO RECURSO - CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA DE JUROS - AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO A RESPEITO DA TAXA APLICADA - ABUSIVIDADE - DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA - INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO - EXTINÇÃO DA AÇÃO DE EXECUÇÃO. - Embora não seja vedada a capitalização diária de juros, essa se mostra abusiva quando não há no contrato informação acerca de qual a taxa diária dos juros a serem praticados quando de sua incidência. Tal informação se mostra imprescindível a fim de se garantir ao consumidor a possibilidade de controle 'a priori' do alcance dos encargos do contrato. Julgado específico da Terceira Turma - O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora - Uma vez descaracterizada a mora em virtude do reconhecimento da abusividade da capitalização diária de juros, impõe-se a extinção da ação de execução de título extrajudicial por inexigibilidade do título - Recurso conhecido em parte e, na parte conhecida, provido.
(TJ-MG - AC: 10000211970124001 MG, Relator: Lílian Maciel, Data de Julgamento: 25/02/2022, Câmaras Cíveis / 20ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/02/2022)
Sendo assim, caso proceda a nulidade apontada, será determinada a extinção da execução, com base no artigo 485, VI do CPC[4], que trata da extinção do processo sem resolução de mérito quando "verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo".
3. Acordo
O acordo é uma forma consensual de extinguir a execução, uma vez que as partes podem negociar e chegar a um consenso sobre a forma e as condições de pagamento da dívida. Este mecanismo permite uma solução mais célere e menos onerosa para ambas as partes, evitando a continuidade do processo executivo e possíveis medidas coercitivas.
No âmbito da execução, o acordo entre as partes é regulado pelo artigo 922 do Código de Processo Civil, que dispõe: "Convindo as partes, a execução poderá ser suspensa, aguardando-se o cumprimento voluntário do acordo celebrado."
Além disso, o artigo 487, III, "b", do CPC[5], prevê a extinção do processo com resolução de mérito quando houver transação, que é a forma jurídica pela qual as partes ajustam o acordo.
Ademais, o acordo pode abranger diversas modalidades e condições, dependendo das necessidades e possibilidades das partes envolvidas como a redução do valor principal da dívida, podendo ser motivada por diversos fatores, como a antecipação do pagamento ou a renúncia de parte dos juros e multas pelo credor.
Outra forma comum de acordo é o parcelamento do valor devido. O devedor se compromete a pagar a dívida em prestações mensais, trimestrais ou conforme outra periodicidade acordada entre as partes.
Além disso, as partes podem acordar a novação da dívida, sendo a substituição da dívida original por uma nova, com condições diferentes. Esse mecanismo pode envolver a mudança dos termos de pagamento, a inclusão de novas garantias ou a alteração do índice de correção monetária e taxa de juros.
Por conseguinte, o acordo pode incluir qualquer outra condição que as partes considerem justa e exequível, como a entrega de bens em dação em pagamento, a prestação de serviços, ou qualquer outra forma de quitação que atenda aos interesses de ambas as partes.
Isto posto, o acordo é uma ferramenta valiosa para a extinção consensual da execução, beneficiando tanto o credor quanto o devedor ao proporcionar uma solução rápida, flexível e menos onerosa. A atuação diligente do advogado é essencial para garantir que o acordo seja justo, legal e exequível, protegendo os direitos de ambas as partes.
4. Prescrição Intercorrente
A prescrição intercorrente é um instituto jurídico que consiste na perda da pretensão de executar em razão da inércia demasiada do credor para viabilizar o efetivo cumprimento da obrigação estabelecida no título judicial ou extrajudicial executado. A Lei nº 14.195, de 26 de agosto de 2021, trouxe alterações significativas no tratamento da prescrição intercorrente, reforçando a necessidade de atuação diligente por parte do credor e promovendo maior celeridade e eficiência na tramitação dos processos executivos.
Nesse sentido, a Lei nº 14.195/2021 alterou a redação do art. 921 do CPC[6], portanto, a suspensão tem lugar também quando o executado não for localizado (inc. III), e o termo inicial da prescrição passou a ser “a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis”, admitindo-se a suspensão, por uma única vez, pelo prazo máximo de um ano (§ 4.º)[7].
Além disso, através da inserção do § 4.º-A, estabeleceu-se como causa de interrupção da prescrição a “efetiva citação, intimação do devedor ou constrição de bens penhoráveis”, pelo prazo necessário à realização de tais atos, “desde que o credor cumpra os prazos previstos na lei processual ou fixados pelo juiz.”
Desse modo, há necessidade de atuação rápida, diligente e efetiva pelo exequente, sob pena de ver prescrita a execução. Porém é importante lembrar que, a teor da Súmula n. 106 do STJ, “a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência”, orientação que já era contemplada no CPC/1973[8], e é repetida no CPC/2015[9].
Quanto à sucumbência, o e. STJ havia firmado o entendimento de que “a prescrição intercorrente por ausência de localização de bens não retira o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para o exequente. “[10] Desse modo, quando extinta a execução pela prescrição intercorrente, o devedor é que deveria ser condenado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência.
Entretanto, com a Lei n. 14.195/2021, foi alterado o § 5.º do art. 921 do CPC[11], passando-se a prever que a extinção da execução em razão da prescrição intercorrente se dará sem ônus para as partes.
No mais, a jurisprudência tem consolidado o entendimento de que, uma vez constatada a inércia do credor e decorrido o prazo prescricional, a prescrição intercorrente deve ser reconhecida, conforme exemplos colacionados abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. CONFIGURADA. NULIDADE PREJUDICADA. CELERIDADE. ECONOMIA PROCESSUAL. EFETIVIDADE. PRIMAZIA DO JULGAMENTO DE MÉRITO. TEORIA DA CAUSA MADURA. DEVEDOR. BENS NÃO ENCONTRADOS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. CONFIRMADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 14.195/2021. ALTERAÇÃO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS. "EXTINÇÃO SEM ÔNUS". MARCO TEMPORAL. SENTENÇA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. PREJUDICADO. 1. Execução de título extrajudicial, ajuizada em 6/11/2018, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 6/7/2022 e concluso ao gabinete em 22/9/2022. 2. O propósito recursal consiste em definir se, após a alteração do art. 921, § 5º, do CPC/15, promovida pela Lei nº 14.195/2021, o reconhecimento da prescrição intercorrente e a consequente extinção do processo obstam a condenação da parte que deu causa à ação ao pagamento de honorários sucumbenciais. 3. A jurisprudência desta Corte pacificou-se em relação à aplicação do princípio da causalidade para o arbitramento de honorários advocatícios quando da extinção do processo em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente (art. 85, § 10º, do CPC/15). 4. Todavia, após a alteração promovida pela Lei nº 14.195/2021, publicada em 26/8/2021, faz-se necessário rever tal posicionamento, uma vez que o § 5º do art. 921 do CPC/15 dispõe expressamente que não serão imputados quaisquer ônus às partes quando reconhecida referida prescrição. 5. Nas hipóteses em que extinto o processo com resolução do mérito, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, é de ser reconhecida a ausência de ônus às partes, a importar condenação nenhuma em custas e honorários sucumbenciais. 6. A legislação que versa sobre honorários advocatícios possui natureza híbrida (material-processual), de modo que o marco temporal para a aplicação das novas regras sucumbenciais deve ser a data de prolação da sentença (ou ato jurisdicional equivalente, quando diante de processo de competência originária de Tribunal). 7. Hipótese em que a sentença extinguiu o processo em 4/10/2021, ante o reconhecimento da prescrição intercorrente, e o executado/recorrente foi condenado ao pagamento de honorários sucumbenciais, quando do julgamento da apelação do exequente/recorrido. 8. Recurso especial conhecido e provido para afastar a condenação em honorários advocatícios.
(STJ - REsp: 2025303 DF 2022/0283433-0, Data de Julgamento: 08/11/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/11/2022)
VOTO 45818 APELAÇÃO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – EXECUÇÃO EXTINTA. Argumentos do exequente que não convencem - Inércia do exequente por prazo superior ao da prescrição do direito material aplicação ao caso em análise do decidido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.604.412/SC, adotado para fins de uniformização de jurisprudência - Execução extinta, ante o reconhecimento da prescrição intercorrente – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.
(TJ-SP - AC: 00268212120038260007 SP 0026821-21.2003.8.26.0007, Relator: Sergio Gomes, Data de Julgamento: 17/05/2022, 37ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/05/2022)
Portanto, a prescrição intercorrente, especialmente à luz das alterações trazidas pela Lei nº 14.195/2021, é um mecanismo essencial para a garantia dos direitos do devedor e para a eficiência do processo executivo. A atuação do advogado é crucial para identificar a inércia do exequente e requerer o reconhecimento da prescrição intercorrente, assegurando que o devedor não seja penalizado por um processo que se arrasta sem a devida diligência do credor.
Considerações Finais
Os mecanismos de extinção da execução, quando utilizados de forma correta e justa, contribuem para a eficiência e a equidade do processo judicial. É essencial que as partes envolvidas, bem como seus advogados, conheçam e utilizem essas ferramentas para garantir que os processos executivos sejam resolvidos de maneira justa e eficiente, promovendo a segurança jurídica e a celeridade processual.
A execução deve ser um meio eficaz para a satisfação dos créditos, mas também deve respeitar os direitos dos devedores, garantindo que não sejam submetidos a execuções desnecessariamente prolongadas ou injustas. Com a aplicação adequada da legislação vigente, é possível alcançar um equilíbrio justo entre os interesses de credores e devedores, promovendo a justiça e a eficiência no sistema jurídico brasileiro.
Atenciosamente,
Letícia do Nascimento Silva Tenório Albuquerque
Albuquerque & Bandeira Advocacia
[1] Art. 924. Extingue-se a execução quando:
(...)
II - a obrigação for satisfeita;
[2] Art. 831. A penhora deverá recair sobre tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios.
[3] rt. 924. Extingue-se a execução quando:
(...)
II - a obrigação for satisfeita;
[4] Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:
(...)
VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;
[5] Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:
(...)
III - homologar:
b) a transação;
[6] Art. 921. Suspende-se a execução:
I - nas hipóteses dos arts. 313 e 315 , no que couber;
II - no todo ou em parte, quando recebidos com efeito suspensivo os embargos à execução;
III - quando não for localizado o executado ou bens penhoráveis;
[7] § 4º O termo inicial da prescrição no curso do processo será a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis, e será suspensa, por uma única vez, pelo prazo máximo previsto no § 1º deste artigo.
[8] Art. 219, § 2.º: Incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subsequentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário.
[9] Art. 240, § 3.º: A parte não será prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário.
[10] STJ. REsp 1769201/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 12/03/2019
[11] Art. 921, § 5.º “O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição no curso do processo e extingui-lo, sem ônus para as partes.




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